quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Deus é bom?

- por Romulo Carvalho com adaptações de pensamentos de outros autores

Deus é bom? Sim, a resposta está na ponta de nossas línguas! Estamos prontos a falar sobre a bondade de Deus, “pois grande é o seu amor e a sua misericórdia dura para sempre.” Então apontamos o pôr-do-sol, uma noite estrelada, as galáxias distantes, os animais em perfeita harmonia com seu ambiente, o oceano numa tarde de verão. Pegamos todas as coisas lindas e mais admiráveis deste mundo e dizemos: Deus é bom.
Contudo, quando expandimos a pergunta um pouco mais, talvez a resposta não venha tão facilmente. Você já vai entender. Comece a pensar agora não somente nas coisas mais lindas, não somente nas mais admiráveis, pense também: na fome, na onda de HIV que assola a África, nos tsunamis e terremotos que pasmaram o mundo na última década, nas diversas pessoas que aparentemente morrem injustamente, naquele amigo seu que está sofrendo tanto com aquele problema, e nos próprios males que se passam em sua própria vida. Pensou? Então agora repetimos a pergunta: Deus é bom? Mas se Ele é bom, então porque há tanto sofrimento?
Aperte os cintos, pois lá vamos nós...
Para responder a esta pergunta, vamos precisar fazer alguns pressupostos, certo? Aqui estão eles:
1) Toda nossa teoria deve ser baseada na lógica, caso contrário não será possível se chegar a uma resposta, mesmo que a mesma seja “transcendentalmente” falha;
2) Logo, vamos assumir que Deus é logicamente condizente;
3) Também vamos assumir que Deus é todo-poderoso, isso significa que ele pode fazer qualquer coisa. Mas se Deus é logicamente condizente, então ele só poderá fazer aquilo que seja logicamente possível. O que estamos supondo, para que nosso falho entendimento humano possa ser expandido, é uma situação em que Deus escolhe ser logicamente condizente. Logo, Deus é todo-poderoso, dentro dos limites lógicos. Isso torna Deus incapaz de fazer algumas coisas, como resultado de sua própria e possível escolha.
Se Deus é logicamente condizente e todo poderoso, vejamos então o que ele pode fazer: criar galáxias, criar partículas subatômicas, criar diferentes dimensões, ecossistemas e cada ser humano. Ele se torna, portanto, o princípio ativo do processo criativo.
Contudo, se Deus é logicamente condizente e todo-poderoso, isso significa que há coisas que ele não pode fazer: tudo aquilo que for logicamente contradizente! Talvez o maior exemplo daquilo que Deus não pode criar seja o seguinte: um círculo retangular, ou como o Kico gostava de dizer, uma bola quadrada. Deus não pode cria-lo, por se tratar de uma contradição lógica(Lembre que estamos atando a ideia de Deus à realidade lógica desta dimensão em que vivemos). Deus também não poderia criar, por exemplo, uma reta com apenas uma ponta. Então, dito isso, será que Deus poderia criar uma pedra tão grande que ele não conseguisse mais levantá-la: NÃO! Seria como pedi-lo para criar um círculo retangular ou uma reta com apenas uma ponta, ou seja, seria uma contradição lógica.
Vamos então continuar com nossos pressupostos. Para complementar nossa teoria, vamos assumir que Deus não quisesse que os seres humanos agissem como robôs e os tivesse criado para que fossem livres. Isto significa que se os seres humanos devem ser livres, então não podem ser forçados a obedecer Deus, pois a liberdade sem a escolha é como um círculo retangular: logicamente contradizente.
É a partir deste ponto que o teísmo bíblico surge para dar continuidade à teoria que estamos construindo. Neste sentido, o teísmo bíblico se apresenta como explicação transcendental da realidade humana, fundamentado na cosmovisão cristã expressa na Bíblia Sagrada.
Segundo o teísmo bíblico, há um Deus que criou todas as coisas, e este Deus é a própria essência da bondade, não havendo nele nenhum mal. Mas, assumindo-se todos os pressupostos já enunciados anteriormente, este Deus teria permitido ao ser humano a capacidade de fazer livremente suas escolhas. A isto a tradição cristã chama livre-arbítrio. Quando este ser humano ganha o direito de ser livre, então ele também é dotado da capacidade de praticar tanto a bondade moral quanto a maldade moral.
O teísmo bíblico explica que os primeiros humanos a pisar sobre este planeta viviam num estado de abstenção do caos, ou seja, todas as coisas estavam numa ordem perfeita de acordo com o que seria moralmente bom. Mas estes antepassados dos seres humanos teriam então abusado de seu direito de escolha, escolhendo fazer o que era moralmente mal. Ao fazerem isto, os mesmos tiveram de arcar com as consequências de seus atos: a entrada do caos no mundo. A partir deste ponto, então, a humanidade teria condenado sua própria realidade à convivência com o que é moralmente mau, e vem arcando com as consequências de cada um de seus maus atos até os dias de hoje.
Obviamente, não cabe a este momento discursar sobre o quão literal é o teísmo bíblico, mas sob qualquer ponto de vista, seja passando pelo literalismo ou pelo liberalismo de interpretação, sua explicação para a realidade em nenhum ponto suporta a afirmação de que Deus é mal, muito menos a lógica daí advinda.
Vamos resumir então o que vimos até agora?

1) Deus é logicamente condizente;

2) Deus é todo-poderoso, mas não pode fazer aquilo que é logicamente contradizente;

3) Deus criou todas as coisas, inclusive os seres-humanos;

4) Deus deu aos seres-humanos o direito de serem livres para fazerem suas escolhas;

5) Deus não pode forçar os seres-humanos a fazerem determinada escolha: seria uma
contradição lógica;

6) Os primeiros humanos viviam num estado livre do caos;

7) Os primeiros humanos abusaram de seu livre-arbítrio e escolheram o que era moralmente mal;

8) As más escolhas dos primeiros humanos trouxeram como consequência a entrada do “mal” (caos) no mundo;

9) As más escolhas que a raça humana continua a fazer perpetuam a permanência do caos no mundo.

Por fim, a conclusão é simples e de fácil entendimento: Deus é bom, mas o mal veio por causa do homem. Deus é responsável pelo ato da liberdade. Mas os homens são responsáveis pelos seus atos em liberdade.


Para os que se interessarem, recomendo a obra do filósofo cristão professor doutor Alvin Plantinga.