sexta-feira, 4 de outubro de 2013

À minha mantenedora de utopias

Prezada Marina,

Essa talvez seja a carta mais infantil que alguém já lhe tenha escrito, mas é com coração de criança que a faço. Com o coração de quem sonha.
Ah Marina, como eu tenho que agradecë-la. Foi lá nas últimas eleições, há quase quatro anos, que a história me fez encontrar com a pessoa que mudaria para sempre minha forma de ver e entender o mundo. Não, nunca a conheci pessoalmente, mas minha história se encontrou com a sua história. E na sua história, encontrei inspiração para escrever a minha.
Sim Marina, você foi e é minha mantenedora de utopias, e espero de peito aberto que sempre seja.
Hoje, em horas afinco de discussões e ponderações, você se encontra diante da terceira situação mais marcante de sua vida. E nesse momento, o que eu quero dizer, é que estou do seu lado.
Se escolher ser um ícone de base, um ponto fora da curva nestas eleições, estarei ao seu lado. E promoverei o #VemPraRuacomMarina com todo entusiasmo, com toda a fome e sede de justiça que meu coração guarda. Com o mesmo anseio ardente com que várias vezes gastei dinheiro da bolsa de IC com xerox de ficha, folhetos e postagens nos Correios. (Mesmo minha mãe me chamando de doido por causa disso, e alguns amigos dizendo que eu estava perdendo tempo, que nada nunca ia mudar)
Contudo, confesso que meu desejo vai além disso. Como criança, sou sonhático, mas já deu pra aprender um pouquinho nesses anos, que em certas vezes, escolhas duras precisam ser feitas. É duro pensar em eleições que não envolvam a Rede como partido certificado. É duro pensar que fomos boicotados por oligarquias políticas. É duro pensar na opção de comer o pão amargo de um plano B.
Por isso Marina, coloco parte da minha esperança em suas mãos: não precisamos optar pelo plano A ou plano B. Podemos escolher o plano C. E sei que você tem experiëncia para lidar com isso, melhor que muitos de nós. Gostaria muito de poder fazer essa escolha. Gostaria muito de acreditar em um plano A e um plano C que não são mutuamente exclusivos. Isso porque quem anseia por ser representado, tem pressa. E Marina, você me representa.


Os meus mais sinceros votos de que sua escolha seja a melhor para todos nós.
Sempre em #Rede,
Romulo Rodrigues de Carvalho

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Reforma Protestante a la Brasileira

Ser minoria nunca foi fácil. E nunca será. Lembro-me bem dos olhares que recebia no jardim de infância de meus colegas, ao perceberem que eu era o único não-católico da turma. Às vezes eu chegavam triste em casa por ter ouvido alguém zombar de mim por ser ‘o diferente’. Lembro-me ainda da minha mãe me dizer com palavras muito calmas: 

“Meu filho, acalme-se. Isso vai passar. Na minha época, era muito pior. Continue estudando, sempre. Porque os livros vão te dar asas para voar a cima de qualquer preconceito.”

E eu nunca imaginei que ela estaria tão correta.

Naquela época, lá pelos anos 90, ser evangélico ainda era algo incomum no interior do estado do Rio. O boom das igrejas neopentecostais ainda não havia ocorrido, e o que se via eram pessoas muito simples, de orientação mais tradicional (batista, presbiteriana, metodista etc),  espalhadas aqui e acolá. Lembro que  eu ouvia meus avós contarem suas histórias antigas, de como haviam se tornado batistas seguindo seus pais, e sobre como no começo, era difícil de se construir os templos das nossas igrejas. “Várias vezes a Primeira Igreja Batista de tal lugar foi queimada, e tivemos que reconstruí-la quase do zero.” Tensões e questões da história da formação religiosa do Brasil que muito poucos sabem a respeito.

Mas as coisas mudaram bastante conforme eu me tornava adolescente. Passei a notar que a cada ano que avançava, o número de evangélicos nas salas de aula aumentava. Primeiro 2 ou 3. Depois 4 ou 5. Até chegar à faculdade, onde eu pude observar um grupo bem mais razoável. Não, não era que os evangélicos estivessem indo mais à faculdade. Era que eles haviam crescido em representação na sociedade brasileira. E com esse crescimento, vieram as transformações, para o bem, ou para o mal.

E foi quando cada vez mais, pude ver o surgimento de pastores que pregavam uma fé totalmente avessa aos ensinamentos que seu Zezé e Dona Zita, meus queridos avós, me ensinaram. 


(Seu Zezé e Dona Zita, os maiores exemplos de Cristianismo que já conheci)

Um mercantilismo barato tomou conta de muitos templos. Vendia-se milagres em troca de 300 reais. A cura de uma dor de cabeça em troca “do seu aluguel”. E até eu, que tinha tanta instrução por parte da família, embarquei numa dessas igrejas mais radicais, onde nada se podia, muito menos questionar o líder. Graças a Deus, porém, um dia a idade da razão chega. Passa-se o desejo pelas curas duvidosas do corpo, e surge uma sede tremenda pelas curas verdadeiras da alma, calejada pelo sistema opressor. Surge uma inquietação quanto à imposição ditatorial. Começa-se a perceber o uso de estratégias de controle de massa. E o cheiro de religião morta começa a embrulhar o estômago. Parecia que eu conseguia ouvir Jesus gritando aos meus ouvidos:

“Ai de vós, escribas e fariseus, religiosos hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia.” Mateus 23:27

E ainda:
“A minha casa será chamada casa de oração, mas vocês fazem dela covil de ladrões.” 
Mateus 21:13

A realidade caiu como gelo sobre minha cabeça. Eu tinha o coração certo. Mas estava no lugar errado, fazendo a coisa errada.

Orei. Meditei. Busquei orientação a Deus e a amigos. E não tardou muito para que eu pegasse minha bíblia e me dirigisse à velha igreja mais tradicional, onde meus avós e a maioria de meus parentes cultuavam. E foi ali que cresci, amadureci e aprendi, além de poder observar algo que abriria minha mente de forma grandiosa em relação à realidade religiosa evangélica:

O protestantismo é a máxima do fim da religião. Mas no Brasil, ele se tornou a máxima da Religião Perversiva. Nele, não deve haver intermediários entre Deus e o homem. Nele não há bispos, ou padres. Não há mestres ou apóstolos. Não há pastores, ou banda, ou coral, ou catequese. Não há nada que possa se colocar entre o homem e Deus: Só Cristo. Só a graça. Só a Bíblia. Ninguém pode julgar a seu irmão. Apontar o dedo. Condenar. Não, meus caros. A fé readquirida pela Reforma foi cara, e dela veio o entendimento, e o direito, que o homem responda por si só diante de Deus, sem a existência de líderes mágicos que possam oferecer pedaços do céu, curas, milagres e até mesmo representação política. Deus, o homem. E só!

O protestantismo preza por uma igreja diferente, em que o Estado e a religião caminham separadamente, justamente fara proteger aqueles que creem. Foi da Reforma Protestante que surgiu o conceito de Estado Laico.

Mas quanto mais eu aprendia, mais me surpreendia com a forma com que esses conceitos, tão caros, vinham sendo constantemente minados por pastores mal-intencionados no Brasil. E foi tão simples de entender o porquê dessa perda de valores:

Num país onde falta assistência governamental, educação e condições dignas de vida. Onde poucos chegam à universidade, e onde mesmo as universidades muitas vezes sobrevivem aos trancos e barrancos, sobra espaço para um deus mau, irado e mercenário, que é vendido a troco do dinheiro conquistado pelo suor de uma pessoa explorada. Sobra terreno para que líderes fariseus se coloquem entre Deus e o homem, e comecem a ditar como o fiel deve agir, cobrando a passagem pela porta do céu. Sobra gente treinada em controle emocional que, parafraseando o pastor Ed Rene Kivitz, se orienta por conseguir as coisas ou pela ganância(doe e ganharás), pelo medo (peque nisso e sejas réu do fogo do inferno) ou pela culpa (pecaste com isso, então contribua com o valor x para seres perdoado). Baseando a fé nesses três pilares, a religião se torna algo mais lucrativo do que vender droga. E aí sim, ela se torna o ópio do povo, sendo justamente nesse ponto que agradeço muito a Deus todos os dias pela fé que me foi ensinada pela Dona Zita e pelo Seu José.

Essa, amigos, era fé verdadeira. Essa foi a fé que transformou a história da minha família. Essa foi a fé que ensinou a meus avós e bisavós que saber ler era importante, do contrário, não poderiam ler a Bíblia, e não poderiam entender a revelação do Cristianismo por si próprios. Essa foi a fé que nutriu a escola primária na roça de Cubatão(onde meus antepassados aprenderam a importância da educação, embora eu nunca enha estudado ou morado lá), para que nenhuma das crianças crescesse sem saber o bom português. Essa foi a fé que impulsionou minha avó a ler poesias que falavam de amor. De paz. De compreensão. Ah dona Zita! Nunca vou esquecer da sua face já enrugadinha me dizendo:

“Meu filhinho, leia sempre a Bíblia. Leia sempre as poesias. Sempre leia, pois como dizia o Monteiro Lobato, um país é feito de homens e livros!”

Essa fé me impulsionou a ir além, para lugares onde um caipirão do interior, cuja família vem da roça de Cubatão, jamais imaginaria ir. Foi motivação latente para que eu chegasse a um dos melhores cursos de Engenharia do país. E a ser aprovado como estudante e pesquisador visitante na Pennsylvania State University, nos EUA. Que me levou à China na difícil tarefa de aprender o mandarim. Que me impulsionou a estar envolvido em pesquisa. A explorar a ciência. Que me levou a publicar artigo e tê-lo defendido na Europa. E não, a ciência nunca enfraqueceu minha fé. Muito pelo contrário! Como Pasteur eu podia ficar maravilhado e dizer: pouca ciência me afasta de Deus, muita ciência me aproxima dele. Ah, como Cristo e o Cristianismo são lindos quando tomados dessa forma. É o mesmo Cristianismo de Martin Luther King, de Madre Teresa, de Mandela, de Desmond Tutu e, por que não, de Marina Silva!




Contudo, uns líderes intolerantes insistem em manchar toda a beleza que esse Cristianismo tem para oferecer. É triste receber olhares taxativos de alguns intelectuais, que escondem por trás dos olhos pensamentos como ‘este é mais um intolerante evangélico’.  E é ainda mais triste ver Marina Silva, com quem me identifico tanto, e com uma história de luta e defesa dos direitos humanos e do Estado laico tão  inquestionávelsofrer o mesmo tipo de preconceito. Mas pior do que isso, é observar aqui e acolá, pessoas que, dando lugar à emoção e esquecendo-se que nossa fé deve ser racional, tomam atitudes fundamentalistas e intolerantes que apenas reforçam o estigma taxativo: “Os evangélicos são todos ignorantes, controlados e preconceituosos.” Ah meu Jesus, salva-nos, pois a única coisa que consigo pensar a respeito destas pessoas que dizem falar por ti, são tuas palavras antes da morte:

“Perdoa-os, ó Pai, pois não sabem o que fazem” 
Lucas 23:34

Diante disso, só continuo em vigilante oração para que que minha fé continue sendo forte e inabalável, não alicerçada em homens fariseus, em Malafaias e Felicianos, em Macedos e Valdomiros. Que seja como a fé do seu Zezé, que não dependia de grandes grupos de louvor e cantores gospel profissionais para adorar a Deus. Que tinha a coragem de enfrentar aquilo que considerava errado dentro da igreja sem temer ser chamado de herege ou rebelde. Que seja como a fé da Dona Zita, que amava a todos, que recebia a todos. Que nunca negou um abraço caloroso e sincero a ninguém. Que deixava separado os tachos com a carne de porco que serviria para os mendigos nos finais de semana. Que minha fé reflita o Jesus que ama. Que come e bebe com publicanos e pecadores. Que é amigo dos que são vistos com maus olhos por uma sociedade hipócrita. Que senta junto com pessoas que são favoráveis à descriminalização do aborto, aos direitos civis dos homossexuais e à descriminalização da maconha sem as pretensões de uma consciência espiritual e moral superior e sem a satanização do desigual. Uma fé que não é narcisista, achando bonito somente o que é espelho, mas que vê beleza e dá acolhimento ao diferente. Que ouve. Que entende. E que é, sim, recriminada por amar incondicionalmente. Que seja Jesus, sempre em seu amor, o centro do meu Cristianismo. Não o homem, nunca o homem. Só Deus, só a graça, só as Escrituras. E que este mesmo Jesus nos livre dessa podre Reforma a la Brasileira, que se esconde em sepulcros caiados, maquiados por templos feitos por mãos humanas.


“Veio o Filho do homem(Jesus) comendo e bebendo, e dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.’ Mateus 11:19