sábado, 15 de março de 2014

A Bíblia é "clara"...

Século XVI: "As pessoas deram ouvidos a um astrólogo novato que se esforçou para mostrar que a Terra gira, não os céus ou o firmamento, como o sol e a lua. Este idiota ... quer reverter toda a ciência da astronomia, mas a Sagrada Escritura nos diz que Josué ordenou que o Sol ficar parado, e não a Terra " - Martinho Lutero, em "Conversa à Mesa", sobre o sistema heliocêntrico.

1637: "Às vezes, as Escrituras declararam que mulheres e crianças devem perecer com seus pais ... Nós temos luz suficiente da Palavra de Deus para sustentar nossos procedimentos." - Capitão John Underhill, defendendo a dizimação puritana da tribo Pequot.

1823: "O direito de manter escravos está claramente estabelecido pelas Sagradas Escrituras, tanto por preceito quanto por exemplo." - Rev. Richard Furman, primeiro presidente da Convenção Batista do Estado Carolina do Sul.

1846: "A evidência de que havia ambos escravos e senhores de escravos em igrejas fundadas e dirigidas pelos apóstolos não pode ser eliminada, sem que para isso se tenha de recorrer a métodos de interpretação que se livram de tudo(que está claro nas escrituras)." - Rev. Leonard Bacon, em defesa da escravidão americana. (Ministros cristãos escreveram quase a metade de todas os textos em defesa da escravidão, muitas vezes citando as Escrituras para sustentarem sua opinião.)

1869: "A Bíblia é a vontade revelada de Deus, e declara a esfera limitante da mulher, dada por Deus. A Bíblia é, então, a nossa autoridade para dizer que a mulher deve contentar-se com esta esfera ... Quem exige o direito à votação para a mulher? Eles não são os amigos de Deus, nem são crentes em Cristo, como uma classe. Pode haver exceções, mas a maioria prefere ser visto com bons olhos pelos não crentes em vez obter o favor de Deus e o amor da comunidade cristã " - Rev. Justin Dewey Fulton em seu tratado contra o sufrágio feminino.

1960: "Onde quer que nós tenhamos as raças misturadas em grandes números, temos dificuldades... Estes religiosos liberais são os piores infiéis em muitos aspectos no país, e alguns deles estão enchendo os púlpitos do sul. Eles não acreditam mais na Bíblia, por isso não faz nenhuma diferença citá-la a eles. Eles têm seguido pelo caminho do modernismo, e estão levando as pessoas brancas para o caminho errado e, ao mesmo tempo, estão levando os cristãos de cor para o caminho errado. Mas todo cristão inteligente, bom, substancial e que crê na Bíblia, pode ler o que a Palavra de Deus diz e saber que o que está acontecendo no Sul agora não é de Deus " - Bob Jones Sr., em seu tratado contra a o fim da segregação, intitulado 'É a Segregação das Escrituras? "

1982: "A Bíblia ensina claramente, a partir do décimo capítulo do Gênesis e indo todo o caminho, que Deus colocou as diferenças entre as pessoas na terra para manter a terra dividida." - Bob Jones III, defendendo a política de segregação da Bob Jones University que proibia namoros e casamentos inter-raciais. A Bob Jones University é considerada um dos maiores centros universitários cristãos do mundo. É frequentada majoritariamente por estudantes evangélicos. A política foi alterada em 2000.

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2014: Meu caro amigo, o convido a refletir: a respeito do que mais são as Escrituras tão claras em nosso tempo? O que mais é tão firme e evidente que não mereça maior cuidado na sua interpretação e compreensão. Fica a pergunta para reflexão.

*Referências históricas e falas extraídas e traduzidas do texto original de Rachel Evans, "The Bible was 'clear'..."





domingo, 2 de março de 2014

O Cristianismo está perdendo influência

Palavras de profetas que têm medo do que está por vir. "Os sinais são claros", eles dizem. "A cultura secular está diluindo nossos valores." E daí sobram os exemplos: o carnaval, as festas, as baladas gospel, os pequenos grupos de crentes que saem às escondidas, longe da vista dos seus pastores, para tomar um chope de vinho no barzinho da moda. As músicas do rock pauleira que os adolescentes escutam. As novelas da Globo. Os livros de "bruxaria" daquele menino.. como é o nome dele mesmo? Harry Potter, aquele que carrega o anel pra Mordor, naquele filme com um monte de demônios... Tsk tsk. Eu começo a ouvir esses papos, e confesso que uma pequena veia pulsa acima do meu olho direito.Tudo o que consigo pensar é: sim, realmente, estamos perdendo a influência.

Perdemos a influência quando começamos a achar o número de "irmãos" que às vezes tomam uma cervejinha mais importante do que número de de mendigos que passam suas noites no frio e no sereno das nossas cidades. Fadados a morrerem como indigentes; suas unhas enegrecidas pelo uso do crack. Perdemos a influência quando começamos a considerar a quantidade de riqueza expressa em nossos templos luxuosos mais importante do que a quantidade de misérias disponíveis aos mais esquecidos dos esquecidos. Perdemos a influência quando de médicos do mundo, nos colocamos na posição de seus juízes e administradores.Nossos julgamentos terríveis impregnados pelo veneno de nossas línguas.

Condena-se a mulher corajosa que abandona o casamento fadado ao desgosto. Aplaude-se a "serva" sofredora que se recolhe nas mãos de um marido que a violenta (verbal ou fisicamente). Apedreja-se com palavras aquela que praticou um aborto em situação extrema, mas louva-se o grupo de justiceiros que amarram ao poste o filho da mulher que optou por não abortar. As metas que temos são de batismos, e não de conversões a Cristo.  Aliás... sejam metas de batismos ou de conversões, eu pensava que "o Senhor é quem ia acrescentando à igreja aqueles que haviam de ser salvos." (Atos 2:47). Isso sem falar das metas de dízimos e ofertas para construir grandes e confortáveis templos adaptados para shows pirotécnicos, em vez de metas de recolhimentos para caridade e obras sociais. Esqueceram de um versículo que minha mãe me ensinou a guardar de cor: "A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas necessidades, e guardar-se da corrupção do mundo." (Tiago 1:27). Parece que mudaram-no para: "Que se danem os necessitados e queimem o mundo com todos os seus pecadores".

O foco de nossos olhos é claro: pecados(percebidos ou reais) que outras pessoas cometem... Ao assistir uma novela, ninguém presta atenção na adoração ao dinheiro, na idolatria da vida de luxo entre Leblon e Ipanema. A idealização de um Brasil perfeito construído em confete e serpentina, alicerçado no ganho pessoal. Sabe por que não prestamos atenção nisso? Porque isso tem à ver conosco. A avareza na novela não nos incomoda porque retrata exatamente o que queremos e como queremos. É mais fácil subir num pedestal e olhar para outros pecados mais evidentes e que não nos dizem respeito, do que encarar que o mundo secular não tem nenhuma prestação de contas para com o evangelho. É melhor falar dos pecados dos outros, que a Deus nada devem, do que dos nossos pecados, que nada temos para dever, porque tudo é d'Ele.

Fácil é dizer que a quantidade de divórcios está aumentando, difícil é encarar que à medida em que o número de evangélicos aumenta, o número de divórcios não diminui. É muito bom anestesiar a própria consciência olhando para "o rabo do outro".Quando assistimos uma novela da Globo, apontamos facilmente as "coisas do mundo" que "não nos tocam". O divórcio e o casamento gay que destroem a família; o kardecismo que contribui para o crescimento do número de espíritas (segundo alguns pastores, a tríplice entente do diabo). Pois "sem dúvida" não há divórcio entre os evangélicos. "Certamente" o aumento de kardecistas aumenta também o número de pessoas más na sociedade, e "obviamente" o número de gays se casando faz com que os crentes se divorciem mais... Premissas e conclusões que fariam os ossos de Platão e Aristóteles se contorcerem no túmulo. Quem dera mais pessoas em nossa sociedade carregassem os valores de caridade e boas obras de Chico Xavier...(de cuja obra discordo, mas cuja vida admiro).

O Cristianismo perdeu a influência quando começou a ver o mundo como "aquele bando de pecadores", a quem nós, santos e imaculados, devemos curar com nossa cultura superior e perfeita. Então vamos nos agarrar a nossas clausuras, vamos condicionar nosso amor àqueles que mais se parecem conosco. Vamos purgar a sociedade dos males que a assolam. Daí vieram o puritanismo e o tradicionalismo cristão, e destes vieram a inquisição e o nazismo. Hitler era um bom cristão, gente de bem. Gente pura. Não assistia novela, nem pulava carnaval.

Que Deus reserve pelo menos alguns remanescentes que se deleitem em sua presença de amor e graça.  Por mim, digo como o teólogo e educador Rubem Alves: já faz tempo que para pensar em Deus, deixei de ler os teólogos, e passei a ler os poetas.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

À minha mantenedora de utopias

Prezada Marina,

Essa talvez seja a carta mais infantil que alguém já lhe tenha escrito, mas é com coração de criança que a faço. Com o coração de quem sonha.
Ah Marina, como eu tenho que agradecë-la. Foi lá nas últimas eleições, há quase quatro anos, que a história me fez encontrar com a pessoa que mudaria para sempre minha forma de ver e entender o mundo. Não, nunca a conheci pessoalmente, mas minha história se encontrou com a sua história. E na sua história, encontrei inspiração para escrever a minha.
Sim Marina, você foi e é minha mantenedora de utopias, e espero de peito aberto que sempre seja.
Hoje, em horas afinco de discussões e ponderações, você se encontra diante da terceira situação mais marcante de sua vida. E nesse momento, o que eu quero dizer, é que estou do seu lado.
Se escolher ser um ícone de base, um ponto fora da curva nestas eleições, estarei ao seu lado. E promoverei o #VemPraRuacomMarina com todo entusiasmo, com toda a fome e sede de justiça que meu coração guarda. Com o mesmo anseio ardente com que várias vezes gastei dinheiro da bolsa de IC com xerox de ficha, folhetos e postagens nos Correios. (Mesmo minha mãe me chamando de doido por causa disso, e alguns amigos dizendo que eu estava perdendo tempo, que nada nunca ia mudar)
Contudo, confesso que meu desejo vai além disso. Como criança, sou sonhático, mas já deu pra aprender um pouquinho nesses anos, que em certas vezes, escolhas duras precisam ser feitas. É duro pensar em eleições que não envolvam a Rede como partido certificado. É duro pensar que fomos boicotados por oligarquias políticas. É duro pensar na opção de comer o pão amargo de um plano B.
Por isso Marina, coloco parte da minha esperança em suas mãos: não precisamos optar pelo plano A ou plano B. Podemos escolher o plano C. E sei que você tem experiëncia para lidar com isso, melhor que muitos de nós. Gostaria muito de poder fazer essa escolha. Gostaria muito de acreditar em um plano A e um plano C que não são mutuamente exclusivos. Isso porque quem anseia por ser representado, tem pressa. E Marina, você me representa.


Os meus mais sinceros votos de que sua escolha seja a melhor para todos nós.
Sempre em #Rede,
Romulo Rodrigues de Carvalho

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Reforma Protestante a la Brasileira

Ser minoria nunca foi fácil. E nunca será. Lembro-me bem dos olhares que recebia no jardim de infância de meus colegas, ao perceberem que eu era o único não-católico da turma. Às vezes eu chegavam triste em casa por ter ouvido alguém zombar de mim por ser ‘o diferente’. Lembro-me ainda da minha mãe me dizer com palavras muito calmas: 

“Meu filho, acalme-se. Isso vai passar. Na minha época, era muito pior. Continue estudando, sempre. Porque os livros vão te dar asas para voar a cima de qualquer preconceito.”

E eu nunca imaginei que ela estaria tão correta.

Naquela época, lá pelos anos 90, ser evangélico ainda era algo incomum no interior do estado do Rio. O boom das igrejas neopentecostais ainda não havia ocorrido, e o que se via eram pessoas muito simples, de orientação mais tradicional (batista, presbiteriana, metodista etc),  espalhadas aqui e acolá. Lembro que  eu ouvia meus avós contarem suas histórias antigas, de como haviam se tornado batistas seguindo seus pais, e sobre como no começo, era difícil de se construir os templos das nossas igrejas. “Várias vezes a Primeira Igreja Batista de tal lugar foi queimada, e tivemos que reconstruí-la quase do zero.” Tensões e questões da história da formação religiosa do Brasil que muito poucos sabem a respeito.

Mas as coisas mudaram bastante conforme eu me tornava adolescente. Passei a notar que a cada ano que avançava, o número de evangélicos nas salas de aula aumentava. Primeiro 2 ou 3. Depois 4 ou 5. Até chegar à faculdade, onde eu pude observar um grupo bem mais razoável. Não, não era que os evangélicos estivessem indo mais à faculdade. Era que eles haviam crescido em representação na sociedade brasileira. E com esse crescimento, vieram as transformações, para o bem, ou para o mal.

E foi quando cada vez mais, pude ver o surgimento de pastores que pregavam uma fé totalmente avessa aos ensinamentos que seu Zezé e Dona Zita, meus queridos avós, me ensinaram. 


(Seu Zezé e Dona Zita, os maiores exemplos de Cristianismo que já conheci)

Um mercantilismo barato tomou conta de muitos templos. Vendia-se milagres em troca de 300 reais. A cura de uma dor de cabeça em troca “do seu aluguel”. E até eu, que tinha tanta instrução por parte da família, embarquei numa dessas igrejas mais radicais, onde nada se podia, muito menos questionar o líder. Graças a Deus, porém, um dia a idade da razão chega. Passa-se o desejo pelas curas duvidosas do corpo, e surge uma sede tremenda pelas curas verdadeiras da alma, calejada pelo sistema opressor. Surge uma inquietação quanto à imposição ditatorial. Começa-se a perceber o uso de estratégias de controle de massa. E o cheiro de religião morta começa a embrulhar o estômago. Parecia que eu conseguia ouvir Jesus gritando aos meus ouvidos:

“Ai de vós, escribas e fariseus, religiosos hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia.” Mateus 23:27

E ainda:
“A minha casa será chamada casa de oração, mas vocês fazem dela covil de ladrões.” 
Mateus 21:13

A realidade caiu como gelo sobre minha cabeça. Eu tinha o coração certo. Mas estava no lugar errado, fazendo a coisa errada.

Orei. Meditei. Busquei orientação a Deus e a amigos. E não tardou muito para que eu pegasse minha bíblia e me dirigisse à velha igreja mais tradicional, onde meus avós e a maioria de meus parentes cultuavam. E foi ali que cresci, amadureci e aprendi, além de poder observar algo que abriria minha mente de forma grandiosa em relação à realidade religiosa evangélica:

O protestantismo é a máxima do fim da religião. Mas no Brasil, ele se tornou a máxima da Religião Perversiva. Nele, não deve haver intermediários entre Deus e o homem. Nele não há bispos, ou padres. Não há mestres ou apóstolos. Não há pastores, ou banda, ou coral, ou catequese. Não há nada que possa se colocar entre o homem e Deus: Só Cristo. Só a graça. Só a Bíblia. Ninguém pode julgar a seu irmão. Apontar o dedo. Condenar. Não, meus caros. A fé readquirida pela Reforma foi cara, e dela veio o entendimento, e o direito, que o homem responda por si só diante de Deus, sem a existência de líderes mágicos que possam oferecer pedaços do céu, curas, milagres e até mesmo representação política. Deus, o homem. E só!

O protestantismo preza por uma igreja diferente, em que o Estado e a religião caminham separadamente, justamente fara proteger aqueles que creem. Foi da Reforma Protestante que surgiu o conceito de Estado Laico.

Mas quanto mais eu aprendia, mais me surpreendia com a forma com que esses conceitos, tão caros, vinham sendo constantemente minados por pastores mal-intencionados no Brasil. E foi tão simples de entender o porquê dessa perda de valores:

Num país onde falta assistência governamental, educação e condições dignas de vida. Onde poucos chegam à universidade, e onde mesmo as universidades muitas vezes sobrevivem aos trancos e barrancos, sobra espaço para um deus mau, irado e mercenário, que é vendido a troco do dinheiro conquistado pelo suor de uma pessoa explorada. Sobra terreno para que líderes fariseus se coloquem entre Deus e o homem, e comecem a ditar como o fiel deve agir, cobrando a passagem pela porta do céu. Sobra gente treinada em controle emocional que, parafraseando o pastor Ed Rene Kivitz, se orienta por conseguir as coisas ou pela ganância(doe e ganharás), pelo medo (peque nisso e sejas réu do fogo do inferno) ou pela culpa (pecaste com isso, então contribua com o valor x para seres perdoado). Baseando a fé nesses três pilares, a religião se torna algo mais lucrativo do que vender droga. E aí sim, ela se torna o ópio do povo, sendo justamente nesse ponto que agradeço muito a Deus todos os dias pela fé que me foi ensinada pela Dona Zita e pelo Seu José.

Essa, amigos, era fé verdadeira. Essa foi a fé que transformou a história da minha família. Essa foi a fé que ensinou a meus avós e bisavós que saber ler era importante, do contrário, não poderiam ler a Bíblia, e não poderiam entender a revelação do Cristianismo por si próprios. Essa foi a fé que nutriu a escola primária na roça de Cubatão(onde meus antepassados aprenderam a importância da educação, embora eu nunca enha estudado ou morado lá), para que nenhuma das crianças crescesse sem saber o bom português. Essa foi a fé que impulsionou minha avó a ler poesias que falavam de amor. De paz. De compreensão. Ah dona Zita! Nunca vou esquecer da sua face já enrugadinha me dizendo:

“Meu filhinho, leia sempre a Bíblia. Leia sempre as poesias. Sempre leia, pois como dizia o Monteiro Lobato, um país é feito de homens e livros!”

Essa fé me impulsionou a ir além, para lugares onde um caipirão do interior, cuja família vem da roça de Cubatão, jamais imaginaria ir. Foi motivação latente para que eu chegasse a um dos melhores cursos de Engenharia do país. E a ser aprovado como estudante e pesquisador visitante na Pennsylvania State University, nos EUA. Que me levou à China na difícil tarefa de aprender o mandarim. Que me impulsionou a estar envolvido em pesquisa. A explorar a ciência. Que me levou a publicar artigo e tê-lo defendido na Europa. E não, a ciência nunca enfraqueceu minha fé. Muito pelo contrário! Como Pasteur eu podia ficar maravilhado e dizer: pouca ciência me afasta de Deus, muita ciência me aproxima dele. Ah, como Cristo e o Cristianismo são lindos quando tomados dessa forma. É o mesmo Cristianismo de Martin Luther King, de Madre Teresa, de Mandela, de Desmond Tutu e, por que não, de Marina Silva!




Contudo, uns líderes intolerantes insistem em manchar toda a beleza que esse Cristianismo tem para oferecer. É triste receber olhares taxativos de alguns intelectuais, que escondem por trás dos olhos pensamentos como ‘este é mais um intolerante evangélico’.  E é ainda mais triste ver Marina Silva, com quem me identifico tanto, e com uma história de luta e defesa dos direitos humanos e do Estado laico tão  inquestionávelsofrer o mesmo tipo de preconceito. Mas pior do que isso, é observar aqui e acolá, pessoas que, dando lugar à emoção e esquecendo-se que nossa fé deve ser racional, tomam atitudes fundamentalistas e intolerantes que apenas reforçam o estigma taxativo: “Os evangélicos são todos ignorantes, controlados e preconceituosos.” Ah meu Jesus, salva-nos, pois a única coisa que consigo pensar a respeito destas pessoas que dizem falar por ti, são tuas palavras antes da morte:

“Perdoa-os, ó Pai, pois não sabem o que fazem” 
Lucas 23:34

Diante disso, só continuo em vigilante oração para que que minha fé continue sendo forte e inabalável, não alicerçada em homens fariseus, em Malafaias e Felicianos, em Macedos e Valdomiros. Que seja como a fé do seu Zezé, que não dependia de grandes grupos de louvor e cantores gospel profissionais para adorar a Deus. Que tinha a coragem de enfrentar aquilo que considerava errado dentro da igreja sem temer ser chamado de herege ou rebelde. Que seja como a fé da Dona Zita, que amava a todos, que recebia a todos. Que nunca negou um abraço caloroso e sincero a ninguém. Que deixava separado os tachos com a carne de porco que serviria para os mendigos nos finais de semana. Que minha fé reflita o Jesus que ama. Que come e bebe com publicanos e pecadores. Que é amigo dos que são vistos com maus olhos por uma sociedade hipócrita. Que senta junto com pessoas que são favoráveis à descriminalização do aborto, aos direitos civis dos homossexuais e à descriminalização da maconha sem as pretensões de uma consciência espiritual e moral superior e sem a satanização do desigual. Uma fé que não é narcisista, achando bonito somente o que é espelho, mas que vê beleza e dá acolhimento ao diferente. Que ouve. Que entende. E que é, sim, recriminada por amar incondicionalmente. Que seja Jesus, sempre em seu amor, o centro do meu Cristianismo. Não o homem, nunca o homem. Só Deus, só a graça, só as Escrituras. E que este mesmo Jesus nos livre dessa podre Reforma a la Brasileira, que se esconde em sepulcros caiados, maquiados por templos feitos por mãos humanas.


“Veio o Filho do homem(Jesus) comendo e bebendo, e dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.’ Mateus 11:19

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Cristianismo segundo Bono Vox


Publico abaixo a transcrição de uma entrevista de Bono Vox a Billy Hybels. Bono teve uma trajetória interessante, de evangélico convicto a cristão moderado, numa Irlanda pautada pelo conflito entre protestantes e católicos. Achei interessante propagar essa mensagem.

"Eu nunca tive problemas com Cristo, mas os cristãos sempre me deram dor de cabeça. E eu costumava evita-los se pudesse. Eu sempre os achei completamente desinteressados culturalmente, politicamente. Achava muito difícil ficar à vontade com eles. Eles pareciam tão estranhos para mim, e estou certo de que eu era estranho para eles.
E apesar de tudo isso eu encontrei algumas pessoas na escola que conheciam as Escrituras. Foi um momento bom, quando algumas pessoas se interessaram muito pela igreja primitiva e a possibilidade de imitá-la.




Mas os cristãos podem ser muito críticos, e, particularmente quanto à aparência das pessoas ou o modo como tocam a vida. Eles têm a tendência de julgar as pessoas por seus problemas superficiais. Imoralidade sexual, essas coisas, são a preocupação histórica da igreja, enquanto que a avareza política ou coisas assim nunca são mencionadas.
Estou bem certo de que o universo opera pelas leis do “karma” e que todas as leis físicas mostram que aquilo que você semeia é aquilo que você colhe. E aí a história da Graça entra em cena, que é de fato a história de Cristo e que vira essa visão do universo de cabeça para baixo.
Ela é completamente contra-intuitiva. Quero dizer, é muito difícil para os seres humanos entenderem a Graça. Podemos entender a propiciação, vingança, justiça… Tudo isso pode ser compreendido, mas não entendemos a Graça muito bem.
Estou muito mais interessado na Graça porque dependo dela, preciso dela desesperadamente. Se eu viver por meio do “karma”, estou com grandes problemas.
Jesus foi como Charles Manson, um maluco total, ou, em minha opinião, foi quem ele disse que era [filho de Deus]. E estamos diante de uma escolha muito difícil.
Porque esse homem foi para cruz dizendo que era aquele que havia sido anunciado e que era Deus encarnado e que Deus amou o mundo tanto que ele tentou se explicar ao mundo tornando-se um de nós."



"Evangélico": outrora orgulho, hoje vergonha


Segundo o IBGE, os evangélicos passaram de 15% para 22% da população brasileira em dez anos. Um crescimento de 64% no valor absoluto. Foram milhões que encheram as fileiras das igrejas. Dezesseis milhões, especificamente. De acordo com estes dados, as igrejas pentecostais continuam em expansão plena, já dentre as igrejas tradicionais, os batistas seguiram esse mesmo ritmo exponencial. Aumentou ainda o número de evangélicos independentes. Em alguns municípios, o número de evangélicos já ultrapassa o de católicos, como é o caso da região metropolitana do Rio. Na minha própria cidade, cerca de 4 em cada 10 habitantes é evangélico, fenômeno observado em muitos municípios fluminenses. É um grupo que se expande com um poder político assustador! Uma gama tão grande e difusa de pensamentos, que fica impossível fugir da pergunta: o que define o termo evangélico?
Bom, o movimento evangélico tem suas origens nos Estados Unidos, e pode ser considerado o braço mais forte do protestantismo. Não é uma denominação, nem uma igreja, é antes, uma corrente de pensamento, que enfatiza:

1 – A experiência pessoal
2 – Adoção da Bíblia como única base de fé e prática

Foi a partir desses conceitos que o metodismo britânico e o pietismo(luteranismo) germânico expandiram sua influência sobre outras denominações, formando a base do evangelicalismo que se consolida a partir do século XVIII, espalhando-se da Nova Inglaterra (EUA) e da própria Inglaterra, para o mundo. Hoje, os países mais evangélicos são os EUA, o Brasil, o Reino Unido, a Nigéria e a Coréia do Sul. Pode-se ainda citar a Alemanha e toda a Escandinávia, de maioria luterana.
É interessante fazer essa busca histórico-geográfica, mas quando penso na definição e na carreira histórica,  fico na dúvida se o termo evangélico usado hoje, pelo menos no Brasil, ou mudou sua definição, ou está fora de moda. Porque as diferenças são palpáveis:

     
(John Wesley, fundador do metodismo, e Martin Luthe King, pastor batista, o primeiro dedicado intensamente a obras de caridade, o segundo, ativista social pelos direitos dos negros americanos)

Evangélicos inicialmente eram um grupo que valorizava a democracia e o sacerdócio universal dos crentes. Hoje, muitas vezes parece que em algumas igrejas(que infelizmente estão em alta na mídia), ser evangélico significa ser massa de manobra do líder. Um investimento de alguém muito esperto, que vê em cada fiel uma renda fixa mensal.
Evangélicos inicialmente lutavam pelos direitos humanos. As igrejas eram centro de discussão política pelos direitos dos negros, por exemplo. Poucos sabem disso na América Latina católica, mas foi nas igrejas evangélicas americanas que o movimento abolicionista ganhou um dos seus maiores aliados. Todavia, os evangélicos de hoje discriminam o diferente, o que não concorda com sua visão de mundo, seja judeu, mulçumano, ateu, homossexual, espírita, católico, feminista, umbandista e a lista segue extensa.
Os evangélicos inicialmente, segundo o próprio Weber, quando discursando sobre a ascesse intra-mundana, eram extremamente contidos quanto ao consumo. Trabalhavam arduamente, e ao invés de comprarem os bens de consumo de última geração e colocarem bem grande em suas posses dizeres de “foi Deus quem me deu”, investiam no cuidado dos pobres, como um John Wesley numa Inglaterra sofrida do século XVIII, que junto com os metodistas, seus seguidores, doutrinou que a igreja deve preocupar-se com o ser humano de forma integral; não só com o bem-estar espiritual, mas também com o bem-estar físico, emocional, material, dando especial atenção aos necessitados e marginalizados sociais. Contudo, os evangélicos do mundo moderno, hipnotizados pela teologia da prosperidade, trocaram a esperança de uma vida eterna vindoura pela volatilidade de uma vida próspera temporal. Esqueceram-se que o ensinamento verdadeiro de Cristo é refletido quando se abre mão do carro do ano para investir no cuidado dos que sofrem. (Lógico que, porém, cada caso é um caso)

               

(Edir Macedo e Valdomiro Santiago: arrecadadores de milhões "vendendo" para pessoas emocionalmente afligidas "milagres" e "libertação")

Dizem que só os recursos dos evangélicos do Brasil seriam suficientes para acabar com toda fome do mundo. Não sei se isso é verdade, mas se for, é porque alguma coisa está muito errada. E é por tal tipo de erro que muitas vezes me dá nojo de ter que carregar esse rótulo ridicularizado, “evangélico”. Sou cristão, sou protestante, sou batista, com muito orgulho da minha igreja, que ainda com todos os problemas que tenha, procura manter os valores democráticos congregacionais da decisão tomada pelo voto majoritário dos fieis. Mas não peça pra me definir como evangélico, não como o evangélico dos tempos modernos, egoísta, orgulhoso, controlado, apático, conformado com ordens absurdas, temporal, levado pra lá e pra cá por quem possa oferecer a oração mais forte, o “milagre” mais rápido. Estes são aqueles que ainda precisam entender as palavras de Cristo: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, de toda ignorância... Quem sabe quando isso acontecer, eu não tenha mais vergonha do estigma... evangélico. Até lá, prefiro me considerar  um simples observador externo a este grupo. E quando ouço críticas numa roda de pessoas sensatas, continuarei a definir "eles", e não "nós". Pelo menos por enquanto.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Em Letras Vermelhas


Eu sempre quis que o meu blog representasse a essência daquilo que eu sou. Sempre quis um canal onde pudesse deixar fluir todos os milhares de pensamentos que borbulham na minha mente. E acho que nunca houve momento tão oportuno.
Minhas origens são inegáveis: eu venho do Cristianismo Protestante extremo, capitalista, a pior evolução da ética do trabalho aliada à religião, muito maior do que aquilo Max Weber verificou em sua obra. Obediência e trabalho duro foram a marca dessa fase da minha vida. Toda minha determinação vem daí. Passar em um vestibular difícil mesmo sem a chance de fazer um pré veio daí. Passar em matérias apertadas de Cálculo e Física, mesmo sendo minhas grandes áreas de dificuldade, também veio daí; uma determinação louca para virar noites a finco estudando. Conseguir uma bolsa pra estudar nos EUA, aprender inglês, espanhol, chinês, o instinto de negociar, de vender, de conseguir. Veio tudo daí.  Mas o paradoxo tão incrível é que estas mesmas origens também passam pelo Cristianismo democrático da compaixão, o Cristianismo social, que sai pelas madrugadas distribuindo sopas aos mendigos, e que vai a comunidades carentes na tentativa de oferecer algum tipo de esperança a crianças que estão tendo sua esperança roubada, o Cristianismo que, escondido dos pais, fazia doações a instituições de caridade. Uma dicotomia que muitas vezes entrava em conflito, mas que enfim, aprendeu a sinergia de se combinar o melhor dos opostos.
(Não que eu acredite no que diz a imagem, mas ela faz a gente pensar)

Letras vermelhas são uma versão bíblica impressa, em que as palavras de Cristo são destacadas em vermelho. Palavras como “ame o próximo como a si mesmo”, e “não retribuirás mal com mal”, são enfatizadas para que o principal do Cristianismo seja lembrado. Letras vermelhas é ainda um movimento de cristãos progressistas nos EUA, que acreditam que a igreja precisa voltar a estar com os pobres, como dizia Madre Tereza. Letras vermelhas têm também a cor do movimento socialista, minha recém-descoberta paixão. Letras vermelhas são aquelas escritas com o sangue, com a vida. Vida que estou disposto, com muito trabalho duro, a entregar por uma causa. Letras são o registro da história, vermelho é a cor que representa o amor: é uma história escrita com amor. Enfim, letras vermelhas é o lugar em que vou tentar colocar o melhor de todos os mundos que conheço: da direita e da esquerda, do sagrado e do profano, da paz e da guerra, da academia e da sabedoria popular. Tudo no intuito mais sincero e verdadeiro de fazer do mundo um lugar melhor.
Enfim, em letras vermelhas, eu tento ajudar a escrever o futuro. Um futuro menos: menos egoísta, menos desigual, menos injusto, menos doloroso, menos violento, menos individualista, menos consumista, menos preconceituoso, menos separatista, menos racista. E um futuro mais: mais feliz, mais amável, mais unido, mais companheiro, mais esperançoso, mais pacífico, mais compreensivo. Um futuro que vejo nas palavras de Madre Tereza, Martin Lutherking, Gandhi e, principalmente, de Cristo. Que Deus me dê a paz e a sabedoria necessários para tal.