segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Reforma Protestante a la Brasileira

Ser minoria nunca foi fácil. E nunca será. Lembro-me bem dos olhares que recebia no jardim de infância de meus colegas, ao perceberem que eu era o único não-católico da turma. Às vezes eu chegavam triste em casa por ter ouvido alguém zombar de mim por ser ‘o diferente’. Lembro-me ainda da minha mãe me dizer com palavras muito calmas: 

“Meu filho, acalme-se. Isso vai passar. Na minha época, era muito pior. Continue estudando, sempre. Porque os livros vão te dar asas para voar a cima de qualquer preconceito.”

E eu nunca imaginei que ela estaria tão correta.

Naquela época, lá pelos anos 90, ser evangélico ainda era algo incomum no interior do estado do Rio. O boom das igrejas neopentecostais ainda não havia ocorrido, e o que se via eram pessoas muito simples, de orientação mais tradicional (batista, presbiteriana, metodista etc),  espalhadas aqui e acolá. Lembro que  eu ouvia meus avós contarem suas histórias antigas, de como haviam se tornado batistas seguindo seus pais, e sobre como no começo, era difícil de se construir os templos das nossas igrejas. “Várias vezes a Primeira Igreja Batista de tal lugar foi queimada, e tivemos que reconstruí-la quase do zero.” Tensões e questões da história da formação religiosa do Brasil que muito poucos sabem a respeito.

Mas as coisas mudaram bastante conforme eu me tornava adolescente. Passei a notar que a cada ano que avançava, o número de evangélicos nas salas de aula aumentava. Primeiro 2 ou 3. Depois 4 ou 5. Até chegar à faculdade, onde eu pude observar um grupo bem mais razoável. Não, não era que os evangélicos estivessem indo mais à faculdade. Era que eles haviam crescido em representação na sociedade brasileira. E com esse crescimento, vieram as transformações, para o bem, ou para o mal.

E foi quando cada vez mais, pude ver o surgimento de pastores que pregavam uma fé totalmente avessa aos ensinamentos que seu Zezé e Dona Zita, meus queridos avós, me ensinaram. 


(Seu Zezé e Dona Zita, os maiores exemplos de Cristianismo que já conheci)

Um mercantilismo barato tomou conta de muitos templos. Vendia-se milagres em troca de 300 reais. A cura de uma dor de cabeça em troca “do seu aluguel”. E até eu, que tinha tanta instrução por parte da família, embarquei numa dessas igrejas mais radicais, onde nada se podia, muito menos questionar o líder. Graças a Deus, porém, um dia a idade da razão chega. Passa-se o desejo pelas curas duvidosas do corpo, e surge uma sede tremenda pelas curas verdadeiras da alma, calejada pelo sistema opressor. Surge uma inquietação quanto à imposição ditatorial. Começa-se a perceber o uso de estratégias de controle de massa. E o cheiro de religião morta começa a embrulhar o estômago. Parecia que eu conseguia ouvir Jesus gritando aos meus ouvidos:

“Ai de vós, escribas e fariseus, religiosos hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia.” Mateus 23:27

E ainda:
“A minha casa será chamada casa de oração, mas vocês fazem dela covil de ladrões.” 
Mateus 21:13

A realidade caiu como gelo sobre minha cabeça. Eu tinha o coração certo. Mas estava no lugar errado, fazendo a coisa errada.

Orei. Meditei. Busquei orientação a Deus e a amigos. E não tardou muito para que eu pegasse minha bíblia e me dirigisse à velha igreja mais tradicional, onde meus avós e a maioria de meus parentes cultuavam. E foi ali que cresci, amadureci e aprendi, além de poder observar algo que abriria minha mente de forma grandiosa em relação à realidade religiosa evangélica:

O protestantismo é a máxima do fim da religião. Mas no Brasil, ele se tornou a máxima da Religião Perversiva. Nele, não deve haver intermediários entre Deus e o homem. Nele não há bispos, ou padres. Não há mestres ou apóstolos. Não há pastores, ou banda, ou coral, ou catequese. Não há nada que possa se colocar entre o homem e Deus: Só Cristo. Só a graça. Só a Bíblia. Ninguém pode julgar a seu irmão. Apontar o dedo. Condenar. Não, meus caros. A fé readquirida pela Reforma foi cara, e dela veio o entendimento, e o direito, que o homem responda por si só diante de Deus, sem a existência de líderes mágicos que possam oferecer pedaços do céu, curas, milagres e até mesmo representação política. Deus, o homem. E só!

O protestantismo preza por uma igreja diferente, em que o Estado e a religião caminham separadamente, justamente fara proteger aqueles que creem. Foi da Reforma Protestante que surgiu o conceito de Estado Laico.

Mas quanto mais eu aprendia, mais me surpreendia com a forma com que esses conceitos, tão caros, vinham sendo constantemente minados por pastores mal-intencionados no Brasil. E foi tão simples de entender o porquê dessa perda de valores:

Num país onde falta assistência governamental, educação e condições dignas de vida. Onde poucos chegam à universidade, e onde mesmo as universidades muitas vezes sobrevivem aos trancos e barrancos, sobra espaço para um deus mau, irado e mercenário, que é vendido a troco do dinheiro conquistado pelo suor de uma pessoa explorada. Sobra terreno para que líderes fariseus se coloquem entre Deus e o homem, e comecem a ditar como o fiel deve agir, cobrando a passagem pela porta do céu. Sobra gente treinada em controle emocional que, parafraseando o pastor Ed Rene Kivitz, se orienta por conseguir as coisas ou pela ganância(doe e ganharás), pelo medo (peque nisso e sejas réu do fogo do inferno) ou pela culpa (pecaste com isso, então contribua com o valor x para seres perdoado). Baseando a fé nesses três pilares, a religião se torna algo mais lucrativo do que vender droga. E aí sim, ela se torna o ópio do povo, sendo justamente nesse ponto que agradeço muito a Deus todos os dias pela fé que me foi ensinada pela Dona Zita e pelo Seu José.

Essa, amigos, era fé verdadeira. Essa foi a fé que transformou a história da minha família. Essa foi a fé que ensinou a meus avós e bisavós que saber ler era importante, do contrário, não poderiam ler a Bíblia, e não poderiam entender a revelação do Cristianismo por si próprios. Essa foi a fé que nutriu a escola primária na roça de Cubatão(onde meus antepassados aprenderam a importância da educação, embora eu nunca enha estudado ou morado lá), para que nenhuma das crianças crescesse sem saber o bom português. Essa foi a fé que impulsionou minha avó a ler poesias que falavam de amor. De paz. De compreensão. Ah dona Zita! Nunca vou esquecer da sua face já enrugadinha me dizendo:

“Meu filhinho, leia sempre a Bíblia. Leia sempre as poesias. Sempre leia, pois como dizia o Monteiro Lobato, um país é feito de homens e livros!”

Essa fé me impulsionou a ir além, para lugares onde um caipirão do interior, cuja família vem da roça de Cubatão, jamais imaginaria ir. Foi motivação latente para que eu chegasse a um dos melhores cursos de Engenharia do país. E a ser aprovado como estudante e pesquisador visitante na Pennsylvania State University, nos EUA. Que me levou à China na difícil tarefa de aprender o mandarim. Que me impulsionou a estar envolvido em pesquisa. A explorar a ciência. Que me levou a publicar artigo e tê-lo defendido na Europa. E não, a ciência nunca enfraqueceu minha fé. Muito pelo contrário! Como Pasteur eu podia ficar maravilhado e dizer: pouca ciência me afasta de Deus, muita ciência me aproxima dele. Ah, como Cristo e o Cristianismo são lindos quando tomados dessa forma. É o mesmo Cristianismo de Martin Luther King, de Madre Teresa, de Mandela, de Desmond Tutu e, por que não, de Marina Silva!




Contudo, uns líderes intolerantes insistem em manchar toda a beleza que esse Cristianismo tem para oferecer. É triste receber olhares taxativos de alguns intelectuais, que escondem por trás dos olhos pensamentos como ‘este é mais um intolerante evangélico’.  E é ainda mais triste ver Marina Silva, com quem me identifico tanto, e com uma história de luta e defesa dos direitos humanos e do Estado laico tão  inquestionávelsofrer o mesmo tipo de preconceito. Mas pior do que isso, é observar aqui e acolá, pessoas que, dando lugar à emoção e esquecendo-se que nossa fé deve ser racional, tomam atitudes fundamentalistas e intolerantes que apenas reforçam o estigma taxativo: “Os evangélicos são todos ignorantes, controlados e preconceituosos.” Ah meu Jesus, salva-nos, pois a única coisa que consigo pensar a respeito destas pessoas que dizem falar por ti, são tuas palavras antes da morte:

“Perdoa-os, ó Pai, pois não sabem o que fazem” 
Lucas 23:34

Diante disso, só continuo em vigilante oração para que que minha fé continue sendo forte e inabalável, não alicerçada em homens fariseus, em Malafaias e Felicianos, em Macedos e Valdomiros. Que seja como a fé do seu Zezé, que não dependia de grandes grupos de louvor e cantores gospel profissionais para adorar a Deus. Que tinha a coragem de enfrentar aquilo que considerava errado dentro da igreja sem temer ser chamado de herege ou rebelde. Que seja como a fé da Dona Zita, que amava a todos, que recebia a todos. Que nunca negou um abraço caloroso e sincero a ninguém. Que deixava separado os tachos com a carne de porco que serviria para os mendigos nos finais de semana. Que minha fé reflita o Jesus que ama. Que come e bebe com publicanos e pecadores. Que é amigo dos que são vistos com maus olhos por uma sociedade hipócrita. Que senta junto com pessoas que são favoráveis à descriminalização do aborto, aos direitos civis dos homossexuais e à descriminalização da maconha sem as pretensões de uma consciência espiritual e moral superior e sem a satanização do desigual. Uma fé que não é narcisista, achando bonito somente o que é espelho, mas que vê beleza e dá acolhimento ao diferente. Que ouve. Que entende. E que é, sim, recriminada por amar incondicionalmente. Que seja Jesus, sempre em seu amor, o centro do meu Cristianismo. Não o homem, nunca o homem. Só Deus, só a graça, só as Escrituras. E que este mesmo Jesus nos livre dessa podre Reforma a la Brasileira, que se esconde em sepulcros caiados, maquiados por templos feitos por mãos humanas.


“Veio o Filho do homem(Jesus) comendo e bebendo, e dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.’ Mateus 11:19

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