domingo, 2 de março de 2014

O Cristianismo está perdendo influência

Palavras de profetas que têm medo do que está por vir. "Os sinais são claros", eles dizem. "A cultura secular está diluindo nossos valores." E daí sobram os exemplos: o carnaval, as festas, as baladas gospel, os pequenos grupos de crentes que saem às escondidas, longe da vista dos seus pastores, para tomar um chope de vinho no barzinho da moda. As músicas do rock pauleira que os adolescentes escutam. As novelas da Globo. Os livros de "bruxaria" daquele menino.. como é o nome dele mesmo? Harry Potter, aquele que carrega o anel pra Mordor, naquele filme com um monte de demônios... Tsk tsk. Eu começo a ouvir esses papos, e confesso que uma pequena veia pulsa acima do meu olho direito.Tudo o que consigo pensar é: sim, realmente, estamos perdendo a influência.

Perdemos a influência quando começamos a achar o número de "irmãos" que às vezes tomam uma cervejinha mais importante do que número de de mendigos que passam suas noites no frio e no sereno das nossas cidades. Fadados a morrerem como indigentes; suas unhas enegrecidas pelo uso do crack. Perdemos a influência quando começamos a considerar a quantidade de riqueza expressa em nossos templos luxuosos mais importante do que a quantidade de misérias disponíveis aos mais esquecidos dos esquecidos. Perdemos a influência quando de médicos do mundo, nos colocamos na posição de seus juízes e administradores.Nossos julgamentos terríveis impregnados pelo veneno de nossas línguas.

Condena-se a mulher corajosa que abandona o casamento fadado ao desgosto. Aplaude-se a "serva" sofredora que se recolhe nas mãos de um marido que a violenta (verbal ou fisicamente). Apedreja-se com palavras aquela que praticou um aborto em situação extrema, mas louva-se o grupo de justiceiros que amarram ao poste o filho da mulher que optou por não abortar. As metas que temos são de batismos, e não de conversões a Cristo.  Aliás... sejam metas de batismos ou de conversões, eu pensava que "o Senhor é quem ia acrescentando à igreja aqueles que haviam de ser salvos." (Atos 2:47). Isso sem falar das metas de dízimos e ofertas para construir grandes e confortáveis templos adaptados para shows pirotécnicos, em vez de metas de recolhimentos para caridade e obras sociais. Esqueceram de um versículo que minha mãe me ensinou a guardar de cor: "A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas necessidades, e guardar-se da corrupção do mundo." (Tiago 1:27). Parece que mudaram-no para: "Que se danem os necessitados e queimem o mundo com todos os seus pecadores".

O foco de nossos olhos é claro: pecados(percebidos ou reais) que outras pessoas cometem... Ao assistir uma novela, ninguém presta atenção na adoração ao dinheiro, na idolatria da vida de luxo entre Leblon e Ipanema. A idealização de um Brasil perfeito construído em confete e serpentina, alicerçado no ganho pessoal. Sabe por que não prestamos atenção nisso? Porque isso tem à ver conosco. A avareza na novela não nos incomoda porque retrata exatamente o que queremos e como queremos. É mais fácil subir num pedestal e olhar para outros pecados mais evidentes e que não nos dizem respeito, do que encarar que o mundo secular não tem nenhuma prestação de contas para com o evangelho. É melhor falar dos pecados dos outros, que a Deus nada devem, do que dos nossos pecados, que nada temos para dever, porque tudo é d'Ele.

Fácil é dizer que a quantidade de divórcios está aumentando, difícil é encarar que à medida em que o número de evangélicos aumenta, o número de divórcios não diminui. É muito bom anestesiar a própria consciência olhando para "o rabo do outro".Quando assistimos uma novela da Globo, apontamos facilmente as "coisas do mundo" que "não nos tocam". O divórcio e o casamento gay que destroem a família; o kardecismo que contribui para o crescimento do número de espíritas (segundo alguns pastores, a tríplice entente do diabo). Pois "sem dúvida" não há divórcio entre os evangélicos. "Certamente" o aumento de kardecistas aumenta também o número de pessoas más na sociedade, e "obviamente" o número de gays se casando faz com que os crentes se divorciem mais... Premissas e conclusões que fariam os ossos de Platão e Aristóteles se contorcerem no túmulo. Quem dera mais pessoas em nossa sociedade carregassem os valores de caridade e boas obras de Chico Xavier...(de cuja obra discordo, mas cuja vida admiro).

O Cristianismo perdeu a influência quando começou a ver o mundo como "aquele bando de pecadores", a quem nós, santos e imaculados, devemos curar com nossa cultura superior e perfeita. Então vamos nos agarrar a nossas clausuras, vamos condicionar nosso amor àqueles que mais se parecem conosco. Vamos purgar a sociedade dos males que a assolam. Daí vieram o puritanismo e o tradicionalismo cristão, e destes vieram a inquisição e o nazismo. Hitler era um bom cristão, gente de bem. Gente pura. Não assistia novela, nem pulava carnaval.

Que Deus reserve pelo menos alguns remanescentes que se deleitem em sua presença de amor e graça.  Por mim, digo como o teólogo e educador Rubem Alves: já faz tempo que para pensar em Deus, deixei de ler os teólogos, e passei a ler os poetas.

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